Textículos Brumadinhenses
SERRAS E ÁGUAS
Montanhas me movimentam. Movimentam músculos, ossos, serotoninas e endorfinas. Acima de certa altitude, onde a maioria da biota é invisível aí sim, com o coração batendo forte no peito, lutando pelo oxigênio, é que sentimos a imensidão do universo; o azul do céu torna-se incrivelmente azul, meio assim policromático, estonteante. O silêncio, esse diferente do silêncio zumbido, habitual, só se escuta na solitude da montanha. È o mais próximo da alma que já consegui alcançar. Mistura de magia, cansaço, hormônios, adrenalina, felicidade. Assim imagino felizes os monges tibetanos pois têm ali, à mão, ingredientes potencializadores que catalisam harmonicamente alma e assuntos terrenos. Mesmo aqui nas nossas não menos poderosas montanhas esse sentimento inunda. A presença do divino também se manifesta, agora diferente, mais sonoro e alegre. O azul torna-se verde, e o som de alguns seres que também só se escuta depois de alguma altitude se fazem presente. É só uma questão de percepção. Formada em canga, nossas montanhas, como magneto, nos prende e nos une a ela. É só deixar. E a canga, onde vivo, como nenhum outro tipo de solo, com afinidade aguçada pela água, a recebe desavergonhadamente, e entre suas entranhas a retém, amniótico, quente. Aqui e ali, insurgências brotam, deixando fluir seu caldo puro e cristalino, mineralizado, dito especial. A ferro e água.
AI! BACTÉRIA
Vida louca essa! Tempos modernos, correria do dia a dia, aprimoramento pessoal para crescimento profissional, consumo e necessidades crescentes de bens cada vez mais onerosos, dar conta das contas. E tudo necessariamente limpo, impecável, quase asséptico. Tudo bem passado. Êta vida cara essa nossa. Contra infelicidade, shopping center, telefone celular, i-pads, redes sociais, lexotans. Para não adoecermos, interrompendo subitamente esse admirável círculo virtuoso, antibióticos, antissépticos e uma variedade de hábitos infundados que até assustam. Nada de pé no chão. Estômago vazio, nem pensar. Visita hospitalar somente se necessário, bactérias hospitalares são assassinas (coitado dos médicos, enfermeiros e atendentes). Proibiram até o uso de avental pelo profissional de saúde fora do ambiente hospitalar, como se fosse algum tipo de veiculador dessas nossas inimigas. Na TV pipocam anúncios de antibacterianos para todas as neuras, seja em sabões para limpeza pesada, patinhos antissépticos para vasos sanitários e até sabonetes que garantem eliminação de 99 % dos microorganismos de nossas terríveis e infectas mãos. Criou-se então o mito da bactéria assassina. Tudo para vender uma falsa segurança que alimenta um mercado de bilhões. A água para consumo, também potencial veiculador de bactérias tem que estar necessariamente clorada-fluorada ou ter origem plástica (garrafas pet). Mas felizmente ainda há o outro lado. Passeando pelo interior, visitando fazendas centenárias e nem tanto, chama atenção como ainda se faz uso da água in-natura, captada em nascentes ou de regos de serventia multifamiliar, expostos às mais variadas condições ambientais. Sempre foi assim e nem por isso deixamos de existir, haja visto que somos, na grande maioria, descendentes de famílias rurais que sobreviveram a essas condições “antissépticas”. Não havia e ainda não há nesses locais portarias ministeriais, anvisas e similares que determinam como deve ser minha saúde. Onde anda a simplicidade e a sinceridade de nossos atos. Não há de se negar que o saneamento básico seja um dos principais pilares de nossa atual longevidade. Porém cadê o bom senso. Minha sábia amiga e naturalista francesa Denise, aportando por essas paragens, fez uso de água plastificada por um tempo, enquanto bebia água in-natura parcimoniosamente para dar prazo ao seu organismo de se habituar com cepas diferenciadas de coliformes, já que por aqui se estabeleceria por alguns anos. Nunca teve gastrites, enterites ou outras ites. Tenta-se a bem da saúde, eliminar bilhões de bactérias e vírus que nos mantém equilibrados nessa teia da vida, em função do medo infundado por 2 ou 3 bactérias patogênicas. Estamos nos distanciando irremediavelmente cada vez mais de nossa essência que é a terra, a mãe-terra, essa velha e machucada senhora que nos suporta. Mas há um limite e esse já foi superado. Na verdade a estória é exatamente o reverso. Nós humanos é que somos as bactérias patogênicas que, infectando de uma maneira cada vez mais feroz as entranhas de nossa mãe terra, fazêmo-la adoecer, e, numa reação fisiológica à agressão, em febre, ela responde se aquecendo de forma a combater o agente agressor. E nessa batalha, sinto que só haverá um vencedor.
CATARINA
Catarina no dicionário de bebês significa pura e casta, rigorosa consigo mesmo, dominadora. Ah bom, agora dá para entender o porquê do nome Ribeirão Catarina lá no vale de Casa Branca. Olhando assim, masculinizado, o Catarina soa mesmo esquisito. Mas basta um relance para se perceber que feminilidade ali abunda. Curvas e mais curvas, comuns a todos ribeirões, não têm a sensualidade ali alcançada. Moça recatada, sua acessibilidade não é fácil, sua alma, entranhada no peito da Serra Ouro Fino só se permite atingir àqueles aventureiros mais destemidos. Aos atrevidos a recompensa se faz aos borbotões. Seu leito, aquário vivo das mais coloridas pedras, iluminadas aqui e ali pelo sol que insiste em penetrar suas intimidades, afugentando inquietações, aquieta a mente. A frigidez de sua água ameniza qualquer uma ou outra atitude intempestiva. Subindo ainda pelas suas insistentes curvas, remetendo à Osta, ápice do processo, cascata singela, olhos tingidos em turmalina, carne ensandecida pelo prazer e cansaço, somos então novamente remetidos de volta à nossa crua e insana realidade. Leves e felizes porém, pelo gozo da vida.
DESAFIOS
Um dos grandes prazeres da vida é descobrir coisas. Escarafunchar, revirar até o fundo. Assim mesmo, adolescente, quase pueril. Mas para o objetivo alcançado há primeiro que se propor um desafio. E que seja um bom desafio, porque quanto maior mais deleite no final. Há entretanto que ser uma proposição viável, factível, nada utópico, mas instigante. Pode ser um desafio mental, físico, moral, social. Até estético tá valendo (não essa estética pessoal, claro). Particularmente gosto de desafios junto à natureza. Os da minha atividade profissional também são provocadores, mas é no matão mesmo que me realizo. Não sei se é, mas penso ser seqüela de trauma de infância. Desde então me propus a dar conta de mim mesmo e dos meus, sempre mirando o norte. Quando estudante e mesmo depois, seguia sozinho de mochilão nas costas, às vezes por dias, com mapa e bússola na mão para cumprir determinado roteiro. Com o tempo realiza-se que na verdade, todos desafios são iguais, que tudo depende do foco, da persistência, da resiliência, e mais que tudo, da humildade. Já casado tive a sorte da companheira também mochileira e assim, juntos, pudemos compartilhar várias paragens, numa empreitada sem fim, vitoriosos na maioria das vezes, sempre incorporando pacientemente os eventuais fracassos. Agora já cinquentão e tanto, ainda me atrevendo por essas matas e montanhas da vida, persisto na procura por novos desafios, porque em mente preguiçosa a alma fenece.
SEU ARLINDO
JOÃO CASA BRANCA
Conheci-o por pouco tempo. Pouco mas intensamente. Na maioria das vezes em situações de muita angustia, em domicílios, madrugada afora, onde éramos solicitados para atendimento ou de urgências médicas ou até para constatação de uma morte morrida. Por isso fomos de certa forma e ao mesmo tempo, testemunhas, parceiros, solidários e até confidentes das situações vividas. E olha que peguei o bonde andando. Mas sei de histórias e histórias que se repetiram ao longo do tempo, sempre ele lá, prestativo, verdadeiro esteio da comunidade de Casa Branca. Atendia a todos com rapidez e presteza. Sempre que chegava para algum atendimento, lá ele já estava, seu carro parado na porta da casa aflita. Não que ele fazia atendimentos médicos especializados pois charlatanice não era com ele. Mas que tinha vocação isso ele tinha. Porque o objetivo principal da Medicina, já nos ensinava nossos mestres, não é salvar as pessoas. É amparar. Salvar às vezes. Curar, eventualmente. Confortar, sempre. E nisso ele era craque. Foi eleito duas vezes para vereador não foi à toa. E o seu caminhão. O último era grande, imponente, testudo, com uma marca GMC lá no focinho. Além de areia, pedra e brita também nos levava para nossas famosas caminhadas da lua cheia. Ou levava ou buscava, não importa, e era sempre uma farra, geralmente gelada, o vento solto pela carroceria aberta. Recusava pagamento, mas mesmo assim a vaquinha corria entre os caminhantes, ao menos para a despesa do Diesel, pelo amor de Deus... Entre uma pinguinha e outra esse era o “Seu” João que conheci e aprendi a respeitar. Agora deve estar lá, no sossego divino, orgulhoso da filharada trabalhadeira, que também orgulhosa do pai laborioso, honra seu nome no suor do dia a dia.